Por Leonardo Pinheiro.
Parece desnecessário afirmar que a orla é de todos(as), mas não é! De tempos em tempos, o óbvio precisa ser dito, redito e defendido com unhas e dentes. O que chama atenção no caso dos becos e da orla do lago Paranoá é a quantidade de vezes em que a população tem de reafirmar ao GDF o que já foi determinado tanto pela Constituição Federal, quanto pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT): a orla é nossa, é de todos, é um bem público de uso comum do povo!
A Lei Distrital nº 7.323/2023, que permite uma espécie análoga privatização dos becos e da orla do Lago Paranoá pelos donos de “pontas de picolé” dos lagos sul e norte, é prova de que o ímpeto privatista não se cansa nem tem vergonha ou medo de buscar se apropriar do que é reconhecidamente público!
A mais recente armadilha jurídica para se viabilizar a privatização da orla, trazida pela referida lei, veio por meio de um dispositivo inserido no código civil, mais precisamente no art. 1.225, inciso X, conhecido como direito real de uso. Um direito que foi incluído no rol de direitos reais pelo estatuto das cidades, e, portanto, concebido como instrumento para fins de reforma urbana (justamente o que não se objetiva com a malsinada lei distrital).
Pelo contrário, o que se objetiva com essa lei é novamente permitir a apropriação indevida de um bem público de uso comum do povo (os becos e a orla do Lago Paranoá) justamente por aqueles que mais tem a título material e menos necessita de concessões governamentais.
O absurdo é tamanho que a norma chega a permitir que proprietários de imóveis que margeiam os becos e as margens do Lago Paranoá constaram cercas e alambrados, impedindo assim a circulação de pessoas e a democratização da orla. Além de deliberadamente dispensar a realização de licitação para a contratação pública (concessão de direito real de uso se faz mediante contrato e, portanto, depende de prévia licitação), direcionando-se assim tal contratação da área pública para os citados e abastados proprietários de imóveis às margens do lago.
Não por acaso, o Partido Socialista Brasileiro do Distrito Federal – PSB/DF ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), junto ao TJDFT, visando à declaração da inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 7.323/2023.
O PSB alega que a lei padece de inconstitucionalidade formal, pois versa sobre tema afeto ao uso e ocupação do solo, cuja matéria é reservada à lei complementar, enquanto a Lei Distrital nº 7.323/2023 é uma lei ordinária (com menor quórum de aprovação no Poder Legislativo), assim como pela ausência da necessária participação efetiva da população e da prévia consulta ao IBRAM, à Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal e ao IPHAN.
Da mesma forma, o PSB defende que a referida Lei distrital apresenta diversos pontos de inconstitucionalidade material, pois permite a ocupação irregular das margens do Lago Paranoá em contrariedade ao decidido nos autos da Ação Civil Pública nº 2005.01.1.090580-7, além de violar os princípios da impessoalidade, do interesse púbico e da isonomia, bem como ofender a necessária proteção ao meio ambiente, ao patrimônio arquitetônico e paisagístico.
É nesse mesmo sentido que entende o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ao se manifestar formalmente pela procedência do pedido do PSB-DF para fins de declaração de inconstitucionalidade da Lei Distrital nº 7.323/2023, argumentando que a Lei Orgânica do Distrito Federal veda a privatização das referidas áreas públicas e determina a ocupação ordenada do território do DF, com a necessária proteção do meio ambiente, do patrimônio arquitetônico e paisagístico, além do o interesse público e da autoridade das decisões do Poder Judiciário local sobre o tema.
A batalha ainda não foi vencida por nenhum dos lados, mas a certeza é que de não haverá a menor facilidade para quem busca transgredir o acesso da população a um bem público de uso comum do povo. Muito pelo contrário, a vitória nesse processo é apenas o primeiro passo, o seguinte é, portanto, aprofundar o processo de democratização da orla do Paranoá, bem como das demais áreas públicas do DF. Pois, como óbvio, vale ressaltar novamente: a orla é de todos(as), a orla é nossa!
Ótimo artigo, a orla é do povo!!!