Por Socialismo Criativo
Com o escândalo de cantores sertanejos faturando alto com cachês milionários pagos por prefeituras de pequenos municípios do país, os próprios artistas do segmento puxaram novamente o debate sobre os supostos problemas da Lei Rouanet e se defenderam dizendo que o dinheiro que paga seus cachês é ‘do povo’, como o cantor Zé Neto e outros andaram dizendo.
Mas, porque defendem justamente o mecanismo de contratação sem transparência ou critérios técnicos, utilizado por prefeituras enquanto eles mesmo estão na mira de investigações do Ministério Público Federal (MPF)?
Nesta quinta-feira (2), o Ministério Público do Rio Grande do Norte pediu a suspensão das apresentações de Wesley Safadão e Xand Avião no evento Mossoró Cidade Junina 2022, em junho. Pediu também que o valor dos cachês – R$ 1 milhão no total – seja bloqueado.
“A realização de shows milionários em momento inoportuno, quando o município enfrenta uma crise grave em seu sistema de ensino e lida com muitas dificuldades nos serviços públicos de saúde e assistência social, constitui uma ofensa aos interesses dos cidadãos e um claro prejuízo ao erário’, disse o MP na ação.
Conforme a produtora e especialista em política cultural Inti Queiroz explicou ao O Globo, a diferença é que os gastos das prefeituras com shows não têm teto nem estão sujeitos aos mesmos mecanismos de controle que os recursos da Rouanet.
“A Lei Rouanet é transparente. Tem análise de projeto, parecer, acompanhamento da execução e prestação de contas com apresentação de notas fiscais. No caso da contratação direta, não há nenhum controle social. Não sabemos como o artista remunera seus funcionários, quanto paga para o iluminador, o figurinista etc. Além disso, os valores permitidos pela Lei Rouanet são baixos. Um cantor sertanejo pode receber um valor equivalente a um edital que contempla 30 projetos”, detalha.
Já para conseguir recursos junto à iniciativa privada, os projetos precisam ser inscritos em leis de incentivam, precisam ser avaliados e ter os orçamentos aprovados por comissões.
Além disso, os projetos podem captar o valor de até R$ 500 mil, porém, o cachê pago a artistas não pode ultrapassar R$ 3 mil. Ao final do projeto, os realizadores precisam prestar contas de como o dinheiro foi usado.
O teto de captação pela Lei Rouanet já chegou a R$ 60 milhões com cachês de até R$ 45 mil para artistas. Mas a política de desmonte da cultura promovida pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), tem reduzido sistematicamente o valor que pode ser captado.
Já nos municípios…
Bem diferente da contratação feita diretamente pelos municípios, realizada por meio da Lei de Licitações mas que, em casos de artistas consagrados dispensa a necessidade de fazer licitações.
Também não há teto para pagamento de cachês, o que permitiu que municípios como Conceição do Mato Dentro (Minas Gerais), com pouco mais de 17 mil habitantes, contratasse o cantor sertanejo Gustavo Lima pelo valor exorbitante de R$ 1,2 milhão. Valor que sequer incluía hospedagem “no melhor hotel da região”, conforme exigido pelo artista, e diárias para ele e sua equipe de 40 pessoas.
A apresentação foi cancelada depois da Folha noticiar que o cachê do cantor foi pago com dinheiro desviado da saúde, educação, infraestrutura e meio ambiente, destinação prevista na Compensação Financeira pela Exploração Mineral.
Já o cantor Zé Neto e seu companheiro de palco Cristiano receberam R$ 400 mil por uma apresentação no município de Sorriso (MT), no dia 13 de maio.
E, no que já se tornou corriqueiro na bolha bolsonarista, atacou a cantora Anitta – ela sempre gera engajamento nas redes – e disse que os sertanejos não dependem da Lei Rouanet, pois seus cachês são “pagos pelo povo”.
Aparentemente, é verdade. Ele só não disse que muitos recebem milhões de dinheiro público pelas contratações feitas por municípios de maneira pouco transparente. Zé Neto certamente não sabia o que uma provocação no Twitter causaria nos dias seguintes.
As investigações do Ministério Público Federal (MPF) já começaram em Minas Gerais, rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e, agora, também em Mato Grosso. Apenas neste último, 24 municípios serão investigados por pagamentos de cachês milionários. Sorriso, onde Zé Neto começou a polêmica, está entre eles.
Gustavo Lima foi chorar nas redes sociais para dizer que não tem nada a ver com o escândalo e Anitta, que sem fazer nada ajudou a escândalo a ganhar fôlego nas redes, publicou apenas um tuíte irônico em resposta ao cantor, curtido por mais de 259 mil pessoas.
Com informações da Folha, O Globo e Estadão
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